Editorial

O silêncio conivente

Brasil acompanha horrorizado nas últimas semanas os relatos e imagens da tragédia humanitária instalada na Amazônia, no território indígena yanomami. Na área que serve de moradia e abrigo – ou deveria servir para abrigar – um dos povos originários do País, homens, mulheres e crianças estão sofrendo com casos graves de desnutrição e malária. Mais de 500 já morreram, conforme as informações divulgadas até o momento. Os casos mais recentes, noticiados durante o final de semana, apontam mais seis pessoas não resistindo a essa vergonhosa barbárie.
A bem da verdade, dizer que o Brasil acompanha horrorizado o drama yanomami talvez não seja a melhor definição. Isso porque, embora devesse, a trágica realidade destes indígenas não parece indignar todos os estratos da população. É perceptível – e constrangedor – o silêncio que parcela significativa de brasileiros mantém sobre o tema. E aqui falamos de um corte identificado com setores e pensamentos ideológicos alinhados ao governo encerrado em 31 de dezembro, de Jair Bolsonaro (PL). Sabida e notoriamente contrário a políticas de direitos humanos e de proteção a territórios indígenas, o ex-presidente tem óbvia e inegável responsabilidade sobre o que ocorre com os yanomami. E é neste sentido que preocupa a cegueira, surdez e mudez de quem prefere não reconhecer o papel do ex-ocupante do Palácio da Alvorada.
Um clichê bastante usado no País nos últimos anos, desde a escalada do discurso antipolítica, é o de não cultivar “político de estimação”. Sujeito da frase muitas vezes substituído por “bandido”, “corrupto” ou outro termo desqualificador. Posição usada para dizer que, diante de erros, omissões ou crimes, este cidadão não hesitaria em fazer a crítica ao personagem eleito, repudiá-lo e cobrar responsabilização pelos atos. Contudo, percebe-se a distância entre discurso e prática, reforçada neste episódio triste e desumano da história do País no qual indígenas minguam – e morrem – por causa do abandono do Estado, do envenenamento dos rios pelo garimpo, da destruição das florestas por exploradores de madeira.
O pior para o Brasil é que este tipo de indignação seletiva é praxe. E não é exclusiva de bolsonaristas, lulistas, tucanos ou qualquer outro grupo. Apoiadores de diferentes governos anteriores assim agiram ao serem confrontados com corrupção e erros administrativos. E provavelmente isso continuará ocorrendo hoje e amanhã. Por mais irresponsáveis que sejam nossos governantes, por mais desprezíveis que sejam suas atitudes, sempre haverá quem prefira aplaudir. Mesmo que o custo seja, por exemplo, a fome e morte de outros brasileiros.

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